Polêmica

QUEM DEFENDE A PERDIGÃO?

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Senhora Silva e Senhor Oliveira

Enquanto se discute a cor da pele dos protagonistas da campanha de Natal da Perdigão, ninguém comenta o verdadeiro objetivo da ação, que é permitir que até 250 mil famílias de baixa renda tenham um Chester em sua mesa de final de ano.

Se em vez de Silva a família beneficiada fosse a Herrera, Martinez ou González, de refugiados venezuelanos, não haveria polêmica.

Mas não. E apesar da tentativa de promover uma miscigenação familiar nos dois comerciais criados pela DM9 DDB e produzidos pela Delicatessen Filmes, os porta-vozes são o senhor Oliveira, da família branca, e a senhora Silva, da família negra.

Bastou para que as redes sociais fossem invadidas de críticas e acusações de racismo contra a empresa, que lançou esse projeto de Natal em 2016 e já beneficiou cerca de 6 milhões de pessoas carentes.

A ação “Você compra um Chester, a Perdigão doa outro”, em parceria com o programa Mesa Brasil, do Sesc Nacional, foi apresentado em evento na Casa das Caldeiras, em São Paulo, há três anos.

Através dele, a empresa que nasceu em 1934 na cidade de Videira, Santa Catarina, e hoje pertence à BRF, visa contribuir socialmente com alimentação na data e, obviamente, divulgar institucionalmente sua marca.

As críticas se resumem à propaganda, como explica Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, que recentemente divulgou uma pesquisa sobre como as empresas podem e devem dialogar com novos mercados consumidores, como o dos negros.

“Este comercial de Natal da Perdigão é mais um.exemplo do descolamento entre as propagandas e a maioria da população brasileira, que é negra. Quando você coloca pessoas negras contando com a caridade de pessoas brancas, como no vídeo, você reforça esteriótipos racistas. Uma simples inversão de papéis do elenco na peça poderia evitar esta repercussão, assim como se houvesse mais diversidade no mercado publicitário”, diz.

“Enquanto 54% da população é negra, apenas 26% dos profissionais de publicidade são negros. Não à toa, 94% das pessoas negras não se sentem representadas pelas propagandas”, conclui.

Incluídos no levantamento, dados do IBGE mostram que 55% dos brasileiros se declaram negros e esta parcela da população movimenta cerca de R$ 1,6 trilhão na economia brasileira, valor que equivale a 24% do PIB nacional.

Em comunicado, a Perdigão justifica que a intenção da campanha é agradecer os consumidores pelos três anos de colaboração para o Natal de 6 milhões de pessoas.

“A Perdigão lamenta que a campanha publicitária de Natal tenha ofendido qualquer um de nossos consumidores. Nunca foi essa a nossa intenção. Falar de generosidade é, para nós, uma forma de união e agradecimento a todos os nossos consumidores, que há três anos colaboram para o Natal de mais de 6 milhões de pessoas, independente de cor, gênero, raça ou religião. É nisso que acreditamos”, diz o documento.

Claro que ninguém quis ofender ninguém. Pode ter sido apenas um erro estratégico, um descuido, uma reprodução da dura desigualdade do país. Mas também pode ter sido um retrato do estereótipo que carregam os negros brasileiros.

O preconceito racial no país existe, é evidente embora velado. Fica claro, entretanto, que não quis a agência ou o anunciante praticá-lo. Associou-se porém o negro à pobreza. E ele, conforme as pesquisas indicam, não se vê representado na publicidade.

O curioso, é que se vocês assistirem os comerciais de 2016 e 2017 sobre o mesmo tema, verão que o estilo, os castings e o formato são praticamente os mesmos deste de 2018, campeão de menções nas redes sociais.

Talvez um pouco mais de cuidado resolvesse?