Entrevista

DESAFIANDO A LEI DA GRAVIDADE

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Neste 2022, Angerson Vieira foi jurado de Direct no Cannes Lions, presidente do júri de Gráfica no El Ojo de Iberoamerica, presidente do júri do 47º Anuário do Clube de Criação e indicado como Profissional de Criação do Caboré.

Um dos poucos líderes negros da propaganda brasileira, ele tem certeza de que desafia a lei da gravidade, como diz o rapper Djonga, e contraria as estatísticas, como canta Mano Brown.

Redator, com início de carreira em Belo Horizonte, hoje é ECD na Africa, onde está desde 2015. Com trabalhos premiados para marcas como Itaú, Vivo, Mitsubishi e ESPN, atualmente é Diretor de Criação de Budweiser. Também é professor da Escola Cuca e fundador do Pangeia, Comitê de Diversidade da Africa e co-fundador da agência Gana, formada 100% por funcionários negros.

Sobre ele, diz Sergio Gordilho, co-presidente da Africa: “O Angerson é na prática o que a nossa indústria propaga na teoria. Um dos mais brilhantes criativos com quem já tive a honra de trabalhar. Inspirador, generoso, resiliente, comprometido e principalmente, muito, muito talentoso. Criatividade brasileira pura. Mas essa opinião não é só minha. É também do festival de Cannes, do El Ojo, do One Show, do Clube de Criação, do Caboré e claro, do grande Adonis”.

A seguir a entrevista:

De Matosinhos para BH, um pulo no Texas, depois São Paulo e o mundo. Isso era um sonho ou foi um projeto de vida bem realizado?

Quase toda criança negra no Brasil, saiba ela disso ou não, cresce com a responsabilidade de ser duas vezes melhor que os outros. Isso para compensar as dificuldades e as barreiras que estão estruturalmente impostas. Isso nunca foi verbalizado pelos meus pais, mas sempre esteve ali, de uma forma ou de outra. Ou seja, a dedicação e o esforço fazem parte da minha trajetória. Óbvio que eu sempre sonhei em ocupar os espaços que ocupo hoje, mas isso é ao mesmo tempo uma consequência do fato de eu ter trabalhado muito, muito mesmo, para que tudo acontecesse. Em outras palavras, eu sonhei com tudo isso e dei duro para conquistar tudo isso. Importante ressaltar que eu nunca estive sozinho. Desde o início tive a sorte de encontrar pessoas incríveis nessa jornada, que me abriram portas, me ensinaram e me inspiraram. Para mim, cada conquista é, e sempre será, coletiva.

Qual é a origem do seu nome?

Minha mãe foi criativa. Pegou o A e o N do nome do meu avô. O GER vem de Geralda, da minha avó. SON vem de Robson, meu pai. Ah, e não à toa eu tenho nome composto: Angerson Cássio, já que minha mãe se chama Cássia. 

Promovido e convidado para o júri de Cannes, você citou frase do rapper mineiro Djonga: “chegar aqui, de onde eu vim, é desafiar a lei da gravidade”. E ele continua: “pobre morre ou é preso, nessa idade”. Isso ainda é uma realidade no Brasil?

 A cada vinte e três minutos more um jovem negro no Brasil. A população negra sofre um extermínio invisível no nosso país. E sim, ocupar o espaço que eu ocupo é desafiar a Lei da Gravidade como diz Djonga. Ou “contrariar as estatísticas”, como diz Mano Brown.

Quando você começou como redator na Lápis Raro, imaginava um dia criar para Vivo, Heinz e Budweiser?

Olhando em perspectiva, o início é engraçado, né? Tudo é tão novo, tão difícil, e a síndrome do impostor bate com mais frequência e mais força (não que ela tenha ido embora totalmente). Mas na época do estágio, acho que eu não tinha tantos planos. Eu queria aprender. Em cada panfleto, em cada texto cabine, eu via a oportunidade de aprender com as pessoas que estavam do meu lado. E posso dizer que a Lápis foi uma grande escola nesse sentido. Guardo esse tempo com muita gratidão e carinho. Sem dúvidas, ter vivido o que eu vivi ali, assim como na Casasanto que também fica em BH, me preparou bem o suficiente para criar para clientes tão grandes quanto Vivo, Heinz e Budweiser. 

Ao entrar no Palais des Festivals como jurado você sentiu a sensação de ter vencido?

A sensação de vencer é relativa e pessoal. Para mim, vitória é coletiva. Como um dos poucos líderes criativos negros da nossa indústria, não posso abrir mão da vitória coletiva. Portanto, acho que vou sentir isso quando ver mais jurados negros brasileiros em Cannes. Quando ver mais negros criativos promovidos e liderando contas importantes nas grandes agências. Enquanto isso, sigo trabalhando para que isso aconteça.

Como fundador do comitê Pangeia e da agência Gana, você percebe uma evolução do mercado publicitário quanto à diversidade?

No Linkedin, ao olhar os posts das agências e dos líderes da nossa indústria, estamos super evoluídos. Mas a gente sabe que muitas vezes o case vem antes da causa. Nós, como mercado, ainda temos muito que aprender sobre o acolhimento das pessoas diversas que as agências recebem. Sobre o quanto essas pessoas precisam ter voz nas tomadas de decisão. Sobre o quanto somos mais criativos quando somos mais diversos. E sobre o quanto isso pode gerar negócio. Ou seja, na imagem, o mercado parece evoluído. Mas no conteúdo, acho que falta bastante.

O que falta no seu currículo?

Acho que a evolução profissional não para. Como criativo, ainda tenho muito a conquistar e principalmente, muitas marcas para ajudar na construção. E acho que continuar trabalhando pelo melhor resultado em todo job é o caminho para alcançar o que eu mais desejo na minha carreira: inspirar jovens negros e negras a preencherem mais espaços no nosso mercado.

Pra encerrar: Matosinhos em Minas ou Matosinhos, cidade vizinha do Porto, em Portugal?

Essa é fácil. Tive a oportunidade de conhecer a Matosinhos portuguesa há dois anos e é de fato encantadora. Mas nenhum lugar do mundo é mais especial do que a pracinha e a igreja de Matozinhos, em Minas Gerais. São as minhas raízes e nada é mais valioso do que isso.